segunda-feira, setembro 04, 2006

História sem Proveito e de Nenhum Exemplo

Não sendo, como não sou, um orador excepcional e muito menos um escritor, é com imenso prazer que vivo aquelas situações do dia-a-dia que antecipam sob a forma de exemplo perfeito aquilo que quero dizer.

Assim, há uns tempos, estando eu no meu habitual posto de trabalho (que, para o caso, interessa informar que é sito no começo de uma descida íngreme no Bairro Alto, muito perto do velho edifício do Conservatório) ouço, como ouvimos todos os que nas habituações contíguas à rua estavam, um grito de socorro. O primeiro grito passa mais ou menos despercebido mas, ao segundo grito, mais alto e mais aflito, soerguemo-nos e dirigimo-nos à rua para se nos deparar uma das mais surrealistas viões que se podem oferecer. Assim, a meio da rampa, um homem sem nada de relevante no aspecto da sua pessoa segurava com uma mão um carrinho de bebé e com a outra impedia um Smart (sim, um daqueles carritos da Mercedes do tamanho de um terço de carro normal) de esbarrar na parede de um dos prédios.

Imediatamente acorreu gente, empurrou-se o carro para um passeio, chamou-se a polícia enquanto o transeunte relatava esbaforido como de repente depois de ter passado o carro na descida levando o seu filho no veículo próprio, vê o automóvel que passou ainda há instantes partir em sua perseguição.

«Que perigo», comenta uma vizinha. «Podia ter esmagado a criança», evidencia outra. Estranhamente ouvimos o pai dizer: «E a mim.»

Com efeito, a imagem que mais me passou pela cabeça foi a do genérico dos desenhos animados do super-homem de há uns anos quando fazia parar uma locomotiva com uma só mão.

Carro parado por estratagemas que me ultrapassam, apurou-se que a sua proprietária seria uma jovem aluna do conservatório que, avistada por uma vizinha do 3º andar, teria parado o carro à pressa, arrancado uma pasta com papéis às entranhas do bólide e em alta velocidade, desaparecido na direcção da nobre instituição de ensino.

Lá encontrada pela polícia e trazida até junto do seu veículo, a jovem foi informada do sucedido, parte da informação vindo do pai ameaçado da criança em carrinho de bebé. Depois de longa conversa reconstrutiva da situação havida pela polícia e interveniente directo, à jovem apenas se lhe ofereceu dizer «O meu carro estava travado.»

A convite de um polícia abriu a porta e conferiu que o Smart estava destravado. Ouvímo-la uma vez mais: «O meu carro ficou travado.» Perante os inúmeros insurgimentos a jovem não fez mais que repetir a informação de que o carro estava travado, acabando por, depois de travar o dito, continuar a fazê-lo com ar cada vez mais irritado e concluíndo um virar de costas aos presentes com um «Mas vocês são surdos? Já vos disse que o travei, porra!»

A verdade é que, depois dos momentos imediatos de espanto, os polícias entreolharam-se e voltaram à esquadra e cada um dos transeuntes e mirones voltou ao seu lugar como depois da banda passar.

Tirai disso as vossas ilações. Sic transit gloria mundi...