sexta-feira, setembro 01, 2006

Casanova «a la mode»

Folheava eu a revista «Os meus livros» deste mês de Setembro, quando me deparo com aquela secção em que são feitas pequenas críticas às novidades, indicando qual a sua colocação numa escala de 0 a 5 e dizendo os prós e os contras dos livros em análise. Passei os olhos por alguns e de repente surge-me a crítica a «História da minha fuga das prisões de Veneza» do nosso Casanova.

A primeira coisa que nem sequer vou comentar é a comparação feita pela crítica dizendo dele ser o «Don Juan» italiano. São, para quem conhece a biografia de Casanova, dois seres antagónicos embora famosos pelos mesmos feitos (Casanova contará 1003 amantes?).

Contudo aquilo que, relamente, me deixou piurso foi que a senhora crítica, de nome Ana Morgado, achou por bem dar ao livro uma classificação de 3 e, como motivo para tal, indicou nos contras possuir este uma "escrita datada e rocócó". Pois é. Esta senhora deve conhecer Casanova dos filmes, o que, aliás, dá a entender ao falar-nos na recente adaptação cinematográfica (que nada tem que ver com a verdadeira biografia do senhor Casanova). A senhora Ana Morgado esperava certamente o discurso deselegante de um Heath Ledger cuja pronúncia australiana aproxima claramente o discurso da Itália de outras épocas (que por acaso não era Itália, que nem existia enquanto nação...).

Entendamo-nos: que esperava a senhora da linguagem de um livro do século XVIII? Estamos a falar de uma biografia de uma personagem do século XVIII, que ainda por cima e apesar de ter deixado uma memória extraordinária, não era, de forma alguma, um homem de letras. Como poderia a linguagem não ser datada? E, já agora, não será o Rocócó um movimento do século XVIII?

Penso que os críticos literários continuam a não perceber da arte. Sinceramente, não cabe na cabeça de ninguém críticar um livro do século XVIII por ter linguagem do século XVIII. Estou mesmo a ver a senhora a responder-me: "ah, mas eu procuro avisar o leitor comum de que pode ser enganado pelo livro". Pois ,é minha senhora, mas o que se passa é que há um mínimo de cultura geral que temos de exigir: se o público espera encontrar num livro o mesmo que viu no filme de Lasse Halström, então merece encontrar a realidade.

A única coisa que se lamenta é estarmos num país onde se lê tão pouco e a procura é tão desqualificada que nenhum editor jamais arriscaria traduzir e publicar os 30 volumes das memórias do Senhor Giacomo que são, sem tirar nem por, provavelmente um dos melhores retratos de uma época da qual geralmente só conhecemos a realidade da vivência de um prisma elitista.

Por último, espero que a senhora Ana Morgado seja coerente e, quando tiver de criticar uma obra de Shakespeare, coloque nos contras que a linguagem, para além de datada, é renascentista e poética.