quinta-feira, junho 22, 2006

Totalitarismo Vs Democracia Parlamentar

Os amores impossíveis são, essencialmente, literários. São entretenimento. Os amores impossíveis, ou mesmo os apenas pouco possíveis, são ficção, na maioria das vezes, pouco pura. Pouco pura pois o puro é tido, convencionalmente, como natural, e a imaginação no sentido literário é ardil e arbitrária. Os amores impossíveis (ou quase), são castelos de areia, metáforas efémeras que, no entanto, nos encharcam indefinidamente.

Quem disser que nunca teve um amor impossível, ou que o amor impossível que teve não lhe fez carquilha, é um escritor mais mentiroso do que aquele que quis ser arrebatado por um amor literário. Mas estes amores também cansam. Os apaixonados deste tipo, melancólicos contempladores de esfinges, escrevem romances inteiros a partir de pequenos sorrisos contrafeitos. Vêem uma casa grande (enorme), com uma lareira e mantas escocesas sobre os sofás, muitos livros e discos pelas estantes; isto enquanto, possivelmente, crianças desarrumam exuberantemente o lar ou, quem sabe, lá fora no jardim, tentam assassinar toupeiras com comprimidos de pólvora (daqueles que se vendem nas drogarias).

Estes amores até podem funcionar. Com paciência, abulia e masturbação em porções convenientes. Funcionam para pessoas pouco exigentes, ou exigentes em demasia. Para quem acha a carne secundária, ou para quem prefere o arquétipo ao duplicado. Mas os oportunistas da alma e da concupiscência sabem que os amores literários têm funções essenciais na construção da experiência individual. Sofrer mais no amor impossível não significa necessariamente amar mais nele. Os amores impossíveis ensinam-nos a amar melhor nos amores possíveis e, é claro, a perceber que é inútil tentar quantificar uma coisa que nem sequer sabemos em que consiste (excluindo o plano das reacções químicas).

Quando dizemos ao nosso alguém que ele nunca escreveu para nós coisas tão bonitas como escreveu para o outro, não estamos só a ter ciúmes do seu amor impossível. Estamos a lembrar o nosso e a pensar que fizemos para ele exactamente o mesmo. Aqui, um ímpeto neurológico diz-nos que, afinal, à ligeireza das palavras tudo é permitido. Elas, que também são castelos de areia, dissipam-se com mais facilidade que o olhar, o beijo, o cheiro ou a parole.

E é por isto que os amores possíveis são tão sublimes. O nosso amor possível conhece-nos, aceita-nos, minimiza os nossos defeitos, ri dos nossos disparates, é nosso amigo. Surge por sorte, mas não é opção; o amor impossível escolhe-se, o amor possível escolhe-nos. O amor possível e o impossível são ambos contratos com cláusula de rescisão. A diferença entre eles é a mesma que existe entre o totalitarismo e a democracia parlamentar: no possível, nós lemos o contrato.

1 Comments:

Blogger T said...

claro que sim, querida.

23 junho, 2006 12:44  

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