quinta-feira, julho 13, 2006

Caneladas no Establishment

Ainda a propósito da questão dos totalitarismos e da inteligentsia (o aviso de Kafka) queria discordar um bocadinho e concordar outro tanto. Fá-lo-ia no site do Rui mas não vi onde comentar e o tempo escasseia.

Primeiro que qualquer coisa, é verdade que os intelectuais aplaudiram Hitler e Estaline mas convém não esquecer que foi a força da populaça que os pôs no lugar de liderança cega e totalitária. São geralmente as massas que desejam as lideranças totalitárias porque lhes dão segurança e evitam o raciocínio - algo muito cómodo. Hitler explicou a crise económica da Alemanha, uma crise historicamente complexa, como "culpa dos judeus". Claro que quando os totalitarismos esmagam todos - intelectuais, elites e populaça - querem acabar com eles.

Aí chegamos a um segundo ponto que é importante focar: os intelectuais são sempre defensores da mudança. Os que não são, são falsos intelectuais. Kafka era um intelectual como Nietzsche ou Wagner (que morreu em 1883 e não podia, portanto, ter sido nazi) . Só que os intelectuais dividem-se entre os que estão com os regimes totalitários, normalmente no começo enquanto ideólogos, e aqueles que vão à luta para transformar os totalitarismos noutra coisa (Llorca, Rosa Luxemburgo, e muitos outros). Todos sabemos que a revolução francesa foi urdida por elites intelectuais e que quase todos os membros dessa elite foram vítimas, ou então acabaram contestatários do regime do Terror que se lhe seguiu. Boa parte dos radicais ingleses (Paine, Woolstonecraft, Godwin, etc) e muitos outros livres pensadores de várias partes do mundo acorreram a França na expectativa de poderem usá-la como cadinho de ensaio. A maior parte deixou relatos terríveis do período de terror e da sua decepção pessoal.

Os intelectuais e os artistas são, por definição, pessoas insatisfeitas com o mundo, com a sua imperfeição e incompletude. A sua ambição é a Utopia; desde Campanella a Morus, de Bacon a Fourier, quantos não foram os intelectuais a ditar o seu ideal de mundo. Estes textos são, quase sem excepção, mundos estéreis. Mas, também, quantos não foram os intelectuais que nos legaram textos distópicos?

Aqui entramos num velho problema filosófico que Eça tratava de forma sublime no seu conto "A perfeição": como pode o homem enquanto ser eminentemente imperfeito, almejar criar o mundo perfeito?

O erro dos intelectuais é, então, o de serem cegos quanto aos meios que justificam os seus fins? Mas quanto a isso não o somos todos. É realmente de acusar aqueles cujas intenções são nobres? Claro que sim. Mas há atenuantes...

Os intelectuais estão sempre na dianteira da mudança para o bem ou para o mal. São os ideólogos mas são também os profetas da catástrofe. E sim, claro, a história repete-se e ninguém ouve os gritos de certos senhores romanos, ninguém liga aos conselhos dos chefes das tribos que elegeram Genghis Khan. E o mundo continua a eleger Saddams, a esconder heróis de guerra sérvios, a aplaudir secretamente o Zidane (esse terrorista), ou a aumentar as votações na "frente" do Le Pen (para não criar outras questões deixo o Bush de fora, mas apenas desta vez).

Outro problema está quando o desejo de melhoria se sobrepõe a tudo. Hitler era louco, Rasputine e Cagliostro embusteiros, Dorian Gray uma fraude. Na ficção como na História, o Ser Humano não aprende. Nihil novum sub solem....

1 Comments:

Blogger vxcvxvc said...

Não percebo latim, isso é para intelectuais.

Três pontos: Estaline não foi eleito; Saddam que eu saiba também não; e não me interessava falar das populações, e sim do papel dos intelectuais.

Desculpa-me a blague com o Wagner, mas com os textos anti-semitas do rapaz, mais a amizade com Nietzsche e a admiração do regime nazi pelo compositor, saiu-me. e tantas vezes reli o texto em busca de erros: nem reparei.

Agora, o ponto da discordância: nem todos os intelectuais são progressistas, havia muitos intelectuais que encaravam a mudança com desconfiança. e não, não são falsos intelectuais. Claro que ninguém é "contra" a mudança em si, mas há quem não a defenda, quem não a veja com bons olhos, e quem goste de conservar as coisas como estão: oakeshott não era avesso à mudança, dizia que as mudanças eram circunstâncias às quais temos de nos habituar. pela frase, vês que não há aversão à mudança, apenas reticência, apreensão, alguma amargura.

e depois há a célebre frase, que não sei de quem é: "mudar o mundo? para quê? ele já está tão mau..."

14 julho, 2006 00:42  

Enviar um comentário

<< Home