Levianos tempos
É muito interessante o paradigma de "mulher leviana", modernizada, inconsequente (mas muito consequente), etérea (mas muito carnal) que os escritores descrevem nas primeiras décadas do século XX. Veja-se a «Leviana» de António Ferro ou a «Naomi» de Junichir'o Tanizaki, a «Mimi Bluette» de Guido da Verona e tantas outras.
Lembrei-me disto por vários motivos: passou-me o livro do António Ferro pelas mãos durante a minha recente mudança de livros para a sua nova casa, estou a ler o livro do Tanizaki e vi recentemente o filme (mais um pessimamente traduzido) «Três vidas, um destino» em que há personagens idênticas. Pelos vistos é uma espécie de estereótipo generalizado de mulher avant-garde.
Mas claro que estas coisas precisam de um pouco de reflexão. Todas estas mulheres são "escritas" por homens, são sentidas por homens. A posição do homem/namorado/pretendente/noivo/marido em todas essas obras, a sua maneira de ver é que potencia o extremo que a personagem feminina atinge. O olhar do homem face a estas mulheres é ultra romântico. Estão sempre perdidamente apaixonados, cegos...
E a leviandade, a inconsequência, o não-estar-à-altura daquilo que o homem vê nelas é o próprio mote da ficção. Estas mulheres são Wildianas, seguem as máximas da modernidade de perto, passaram para lá do romantismo, já não são a mulher ideal, a mulher romântica que se senta a um canto e cuja luz inspira e domina os homens. Esta mulher pensa. É racional e pouco emotiva, segue os sentidos, é sexual e não assexuada como era o protótipo romântico.
Camilo Castelo Branco, na sua «Carlota Ângela» apresentava já o anúncio desta mulher nova (Carlota por um lado, Ângela, angelical pelo outro) a menina de boas famílias burguesas em ascenção que inspira amores, que é um ideal romântico... mas só até certo ponto. Esta Carlota tem pelos nos braços, uma sombra de bigode (será possível?)...
Mas é com efeito nas primeiras décadas do sécilo XX que esta personagem mulher aparece na literatura. E aparece na escrita de muitos escritores modernos. Esta mulher que pensa, que decide, que controla, que manipula e que escreve a sua própria ficção estendendo armadilhas ao escritor que pensa poder descrever o seu ideal romântico.
É uma mulher de um período muito curto - veio depois o Estado Novo com as suas costureirinhas e meninas da rádio. Será que esta mulher existiu? Parece que sim, havia Florbelas, Virginias Woolf e outras. Mas não são bem a mulher que estes homens descrevem, perplexos.
A leviana é o assombro pela própria modernidade que defendem estes escritores novos. É a sua surpresa pelo rumo que toma algo que foi criação sua mas que lhes escapa para conseguir uma identidade própria. E que escapa aos padrões e valores convencionais, que esses próprios «modernos» tinham abolido.
Essa mulher nova está de novo entre nós, quer parecer-me. Só não sei ainda se pensa.
Também não sei se se deva criticar, se elogiar. Reparem bem que estou a falar de uma mulher sem preconceitos, sem valores, que busca unicamente a satisfação imediata dos sentidos. O grande perigo é que a mulher dos modernos, a leviana, podia ser isto tudo mas tinha consciência daquilo que não era, daquilo contra o que era. Erguia-se contra os valores românticos, contra as ideias antiquadas. Esta mulher nova dos nossos dias é sem saber que é, está sem ser contra ou pro. É bom ou será mau?
Daqui a uns anos volto a pensar sobre isto.
Lembrei-me disto por vários motivos: passou-me o livro do António Ferro pelas mãos durante a minha recente mudança de livros para a sua nova casa, estou a ler o livro do Tanizaki e vi recentemente o filme (mais um pessimamente traduzido) «Três vidas, um destino» em que há personagens idênticas. Pelos vistos é uma espécie de estereótipo generalizado de mulher avant-garde.
Mas claro que estas coisas precisam de um pouco de reflexão. Todas estas mulheres são "escritas" por homens, são sentidas por homens. A posição do homem/namorado/pretendente/noivo/marido em todas essas obras, a sua maneira de ver é que potencia o extremo que a personagem feminina atinge. O olhar do homem face a estas mulheres é ultra romântico. Estão sempre perdidamente apaixonados, cegos...
E a leviandade, a inconsequência, o não-estar-à-altura daquilo que o homem vê nelas é o próprio mote da ficção. Estas mulheres são Wildianas, seguem as máximas da modernidade de perto, passaram para lá do romantismo, já não são a mulher ideal, a mulher romântica que se senta a um canto e cuja luz inspira e domina os homens. Esta mulher pensa. É racional e pouco emotiva, segue os sentidos, é sexual e não assexuada como era o protótipo romântico.
Camilo Castelo Branco, na sua «Carlota Ângela» apresentava já o anúncio desta mulher nova (Carlota por um lado, Ângela, angelical pelo outro) a menina de boas famílias burguesas em ascenção que inspira amores, que é um ideal romântico... mas só até certo ponto. Esta Carlota tem pelos nos braços, uma sombra de bigode (será possível?)...
Mas é com efeito nas primeiras décadas do sécilo XX que esta personagem mulher aparece na literatura. E aparece na escrita de muitos escritores modernos. Esta mulher que pensa, que decide, que controla, que manipula e que escreve a sua própria ficção estendendo armadilhas ao escritor que pensa poder descrever o seu ideal romântico.
É uma mulher de um período muito curto - veio depois o Estado Novo com as suas costureirinhas e meninas da rádio. Será que esta mulher existiu? Parece que sim, havia Florbelas, Virginias Woolf e outras. Mas não são bem a mulher que estes homens descrevem, perplexos.
A leviana é o assombro pela própria modernidade que defendem estes escritores novos. É a sua surpresa pelo rumo que toma algo que foi criação sua mas que lhes escapa para conseguir uma identidade própria. E que escapa aos padrões e valores convencionais, que esses próprios «modernos» tinham abolido.
Essa mulher nova está de novo entre nós, quer parecer-me. Só não sei ainda se pensa.
Também não sei se se deva criticar, se elogiar. Reparem bem que estou a falar de uma mulher sem preconceitos, sem valores, que busca unicamente a satisfação imediata dos sentidos. O grande perigo é que a mulher dos modernos, a leviana, podia ser isto tudo mas tinha consciência daquilo que não era, daquilo contra o que era. Erguia-se contra os valores românticos, contra as ideias antiquadas. Esta mulher nova dos nossos dias é sem saber que é, está sem ser contra ou pro. É bom ou será mau?
Daqui a uns anos volto a pensar sobre isto.
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