quarta-feira, maio 31, 2006

Eu explico

TESE

Por que é que a incoerência é uma forma de lucidez? Porque é uma característica natural e circunstancialmente humana e, tendo consciência da mesma, um indivíduo pode considerar-se em pleno uso das suas faculdades mentais, isto é, pode considerar-se lúcido.

DISCUSSÃO

Nem sempre o que pensamos está em conformidade com as nossas acções. Nem sempre podemos, por razões internas (conflitos de interesses individuais) ou externas (intempéries, por exemplo), agir de acordo com os nossos valores. Um indivíduo que despreza o sistema social ou burocrático no qual "é obrigado" a viver, por necessidade ou hábito interiorizados (Kafka sabe muito disto), é incoerente. Muitas vezes, o desprezo que o marginal tem pela sociedade que o acolhe (sim, porque o marginal está à margem¹ da sociedade, e não fora dela; está naquilo que se convencionou ser o exterior da sociedade, mas que não é mais que a circunscrição da mesma) é evitável. Se o ser humano enquanto espécie tem autonomia relativa - isto porque os vários seres humanos precisam uns dos outros para se reproduzirem -, o sujeito tem autonomia total para viver longe de conjuntos de sujeitos iguais a ele (em capacidade racional), porque aquilo de que necessita para sobreviver existe independentemente de si - Robinson Crusoe (ou o seu equivalente não fictício, Alexander Selkirk) teria sobrevivido, e sobreviveu, de facto, durante bastante tempo, sem o seu símile Sexta-Feira.

Do mesmo modo, as nossas expectativas ou estruturas mentais nem sempre estão em conformidade com as nossas capacidades físicas. Ver um velho decrépito (passo o pleonasmo) morrer aos poucos, quando percebemos que cresce em sabedoria e lucidez é, talvez, das situações mais angustiantes que alguém minimamente sensível (nem que seja por solidariedade egoísta, isto é, por pensar que pode vir a acontecer-lhe o mesmo) pode presenciar. Mas esta incoerência é estrutural. Alguém que apadrinha a virtude do trabalho e, por preguiça, passa o dia na cama, é um incoerente de outro tipo. Esta incoerência de que falo não é, pois, a incoerência típica dos problemas da lógica formal, aquela que reflecte o desacordo do pensamento consigo mesmo, embora alguns de nós também sejamos afectados por esse tipo de agente infeccioso, pelo menos de vez em quando.

Por exemplo, quando alguém que quer fazer-se calhau relativamente a determinado assunto, mesmo tendo tido contra-argumentações que lhe provaram que estava errado e sabendo então que foi contradito com propriedade, continua a mineralizar-se, temos um caso crónico de incoerência desvirtuosa. Alguém que reconhece os seus erros de discurso e de comportamento, que se humilha perante uma retórica melhor que a sua é, inevitavelmente, um incoerente abençoado. A mudança que, na verdade, tem sido entendida em termos históricos e sociológicos enquanto reprodução de sistemas ou estados anteriores, é sinal de aperfeiçoamento espiritual e intelectual (outro pleonasmo?) nos homens e nas sociedades.

Os únicos homens que se podem considerar coerentes são, provavelmente, aqueles que acreditam deter verdades absolutas, nomeadamente alguns comunistas fervorosos, ateus e crentes que, naturalmente, professam a existência de Deus ou outros dogmas que tais. Assim, a opinião, quer-me parecer, é uma das grandes calamidades das sociedades modernas. Sócrates, que não sabia nada, era um homem sábio; mas, por isso, acabou por ser também chamado pretensioso. E é por toda esta tradição que, quando se trata de sobrevivência, não há meios termos, nem pode, naturalmente, haver indignações. Quem não tem opiniões sabe que não pode exigir o mesmo de todo o mundo. Isso equivalia a ser da opinião de que ninguém devia ter opiniões.


¹ porque, se virmos bem, a própria margem de um texto não se situa fora da folha.

Com Sorte

Hoje
18.53h Rapaz para o forte namora com rapariga perfeita.

terça-feira, maio 30, 2006

Da Coerência

Eu pensava que o Papa era coerente. Afinal não é; e ainda bem.

Depois disto, daqui a pouco o senhor Ratzinger diz-se chefe do agnosticismo apostólico romano.

Boletim Amoroso

11.55h Rapaz muito magro deambula apaixonadamente com rapariga moderadamente gorda.

12.15h Rapaz magro namorisca com rapariga incrivelmente gorda ao colo.

15.30h Dois rapazes esperam pelo metro de mãos dadas.

18.00h Casal com mais de 70 anos passeia calmamente de mãos dadas num jardim suburbano, cantarolando baixinho.

19.05h Casal com mais de 70 anos passeia de mão dada, conversando e namoriscando.


Aqui, agora Nunca mais é sexta.

O Inferno

L'Enfer: Partie fermée d'une bibliothèque où l'on tien les livres licencieux, interdits au publique. (Larrousse, 1966); Départment d'une bibliothèque où sont déposés les livres interdits au publique. (Robert)

segunda-feira, maio 29, 2006

Picar o ponto


Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.

Assim devera eu ser,
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.

Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.

Assim devera eu ser
se não fora
não querer.


Alexandre O'Neill, poema musicado por Alain Oulman

domingo, maio 28, 2006

O Sistema

A bem dizer irrita-me esta coisa que grassa no nosso país. Este sistema que dita a sucessão partidária à vez e que determina a forma como se mina cada vez mais o nosso país. Ninguém tem a possibilidade de fazer um trabalho continuado.

Imaginemos que um indivíduo x chega a uma posição de chefia. Para lá ter chegado teve de, durante alguns anos, ser competente e bom na sua área. Contudo e para conseguir esse cargo, essa pessoa tem de ter amigos, cunhas, e tem de ter um partido (e já de há uns anos para cá que os ditos "independentes" têm cores partidárias mais definidas do que muitos membros de partidos).

Continuemos, portanto, a imaginar que essa pessoa divisou um sistema perfeito de combate a incêndios, ou resolução do problema dos sem-abrigo ou ainda de desbloqueamento da situação das longas filas de espera para operações nos hospitais públicos portugueses. Digamos que começa a pôr esse sistema em prática, que tem, primeiro que tudo, de combater todos os opositores ao seu sistema. Sabemos, é claro, que muitos desses opositores lhe fazem frente, uma vez que têm medo do seu sucesso enquanto impossibilitador da possibilidade de serem eles a atingir a chefia.

Tem, portanto, de os afastar ou ganhar para o "seu lado" se quer conseguir fazer algo. E tem de ter cuidado para não o fazer demasiado abertamente e, assim, suscitar a possibilidade de ser atacado por essa oposição e acusado de partidarismo.

Depois tem que se precaver contra os membros do seu próprio partido porque, em Portugal, todo o sucesso é digno de inveja. Para agora levar o seu sistema por diante tem de mudar regras, alterar instituições, ir contra os interesses de muitas camadas de sujidade instalada.

Digamos que até agora teve sucesso. Pois, mas isto demora alguns anitos. Digamos que o nosso indivíduo x tem o seu sistema prestes a ser implantado. Passou o tempo do seu partido que nada conseguiu na área onde o nosso indivíduo labora. Nada de visível. Nada de resultados.

Digamos que o partido do indivíduo x ganha de novo as eleições. O indivíduo x terá de ser responsável pelo insucesso "visível" da sua área. E devido às pressões da oposição e opinião pública, alguém terá de ser responsabilizado. O nosso indivíduo x vai provavelmente ser o bode expiatório. Com muita sorte pode ser recolocado em qualquer área onde possa ser inócuo e não causar muitas ondas.

Mas caso ganhe o partido da oposição, temos duas hipóteses: a primeira que o sistema do indivíduo x esteja em funcionamento e a resultar. Nesse caso o indivíduo x é imediatamente afastado e o crédito de toda a operação passa para o indivíduo y que vai passar os próximos anos a introduzir no sistema os membros do partido que haviam sido afastados. Isto vai resultar que nessa área não haja quaisquer resultados visíveis no final do mandato desse partido.

Na segunda hipótese o sistema do indivíduo x não está ainda em funcionamento. Rapidamente susbstituído pelo indivíduo y, o nosso amigo x vê o partido contrário introduzir um sistema diametralmente oposto, não tanto porque o seu seja incorrecto mas porque o partido do indivíduo y tem de mostrar que está a fazer algo completamente diferente do que o partido do indivíduo x tinha feito, e que nunca tinha resultado visivelmente. O indivíduo y tem, portanto, pela sua frente, a enorme tarefa de construir um sistema que funcione e seja totalmente oposto ao previamente previsto. Tem de, primeiro que tudo, combater todos os opositores ao seu sistema. Sabemos, é claro, que muitos desses opositores lhe fazem frente, uma vez que têm medo do seu sucesso enquanto impossibilitador da possibilidade de serem eles a atingir a chefia.

Tem então de os afastar ou ganhar para o "seu lado", se quer conseguir fazer algo. E tem de ter cuidado para não o fazer demasiado abertamente e, assim, suscitar a possibilidade de ser atacado por essa oposição e acusado de partidarismo.

Depois tem que se precaver contra os membros do seu próprio partido porque, em Portugal, todo o sucesso é digno de inveja. Para agora levar o seu sistema por diante tem de mudar regras, alterar instituições, ir contra os interesses de muitas camadas de sujidade instalada.

Digamos que até agora teve sucesso. Pois mas isto demora alguns anitos. Digamos que o nosso indivíduo y tem o seu sistema prestes a ser implantado. Passou o tempo do seu partido que nada conseguiu na área onde o nosso indivíduo labora. Nada de visível. Nada de resultados.

...

Faltou Algo

Pois é, tinha-o visto aqui mas nunca pensei que a federação portuguesa levasse tão a sério o que diz a imprensa alemã... Será que alguém mandou o nome errado para a FIFA? Alguém já explicou por que diabo tinha Ricardo Carvalho o nome R. Carvaho na camisola, ontem?

Beautiful People

«There's nothing nicer than singing an unnecessary peace song.», Melanie Safka

sábado, maio 27, 2006

Rascunhos & Rabiscos

foto: num caderno perto de si, 2006

Elitismo Consciente ou De Como eu Aprecio a Honestidade Alexandrina

«Minha empregada estava me contando duma vizinha dela que disse que operou o pênis, querendo dizer que operou o apêndice, e rimos muito da burrice dessa mulher. Depois nos lembramos duma cozinheira que dizia que tinha problema no figo, querendo dizer que era no fígado. Minha empregada se engasgou de tanto rir. Só uma pessoa morta não riria disso, ou alguém que acabou de fazer faculdade de letras. No último caso é porque lhe ensinaram na faculdade que, desde que consiga se comunicar, ninguém fala errado. Se você encontrar um anúncio de jornal oferecendo os serviços de uma “cosinheira”, não pode rir, porque você entendeu o que ela quis dizer, não entendeu, seu espertinho, e a comunicação foi perfeita. E a minha empregada não pode rir disso também, porque o aluno da faculdade de letras é capaz de zombar dela no seu blog. Para ele, minha empregada não é esclarecida o suficiente. Grande. Antes zombávamos dos pobres porque eles falavam tudo errado, e agora podemos zombar dos pobres porque eles não sabem que ninguém fala errado.»

Marketing


Sim, o Código Armani.

sexta-feira, maio 26, 2006

«Quiet nights of quiet stars


quiet chords from my guitars
floating on the silence
that surrounds us...
Quiet thoughts and quiet dreams,
quiet walks by quiet streets
and the window looking
at the mountain and the sea,
how lovely.

(...)

E eu que era triste,
descrente desse mundo,
ao encontrar você eu conheci
o que é felicidade, meu amor.»

quinta-feira, maio 25, 2006

Touché?

Eu aceito o desafio. Mas aviso já que dou luta.

Nota muitíssimo importante: o link gentilmente cedido no período anterior vai dar a um dos melhores blogues do mundo.

Ensino Superior

«Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo.», Heráclito.

Pena que no Ensino Básico não nos ensinem destas coisas.

Feira do Livro ou Da Leitura em Portugal

- Tem catálogos?
- Ainda não, só no sábado...
- Que pena...
- É a nossa edição mais requisitada.


Nota importante: as pessoas (todas, sem excepção) perdem muito tempo de vida a pensar naquilo que gostariam de ter.

Erros da História, Má Fortuna...

Não vou discutir gerações, que são coisas, geralmente, falsas. Discuto revoluções e a sua relevância. Um ponto em que acho que todos concordamos é que, de facto, as revoluções são necessárias para abandonar situações incomportáveis (quase todas, menos aquelas da América do Sul que se fazem à vez de votação democrática e para dar escoamento à pressão acumulada no espírito mesclado de latinismo e acesos temperamentos nativos).

Claro que, nas revoluções, como em tudo, há as boas e as más. A maior parte delas, a história ainda terá de julgar.

O problema reside pois no facto das revoluções serem feitas por homens. A francesa é exemplo claro: se há muito se justificava, nada merecia o período do Terror que veio depois. Mas não se passou o mesmo cá por estas bandas?

A psicologia das multidões - já Le Bon pressentia - funciona na lógica da generalização. E os poucos que são culpados passam a ser todos os que não se provem inocentes e não adoptem o discurso colectivo. Por cá quantos não foram os patrões honestos, respeitadores e correctos, que foram insultados, o caldo está entornado, agredidos e viram as suas propriedades apreendidas? Mas o que nos perguntamos é se, com efeito, não são males necessários?

Pois é... podíamos continuar envoltos neste emaranhado...

Por outro lado podemos apontar um dos males dos portugueses e ser didáticos: é impossível, incorrecto e fútil julgar o passado. Foi o que foi e resultou no presente. Concentremo-nos em corrigir o que ficou encravado pelas acções do homem construindo o futuro.

Ou então consideremos as palavras de Rómulo de Carvalho (António Gedeão), numa entrevista que deu dez dias antes de morrer: «Não acredito que o Homem seja capaz de fazer alguma coisa socialmente boa. A história ensinou-nos que todos os passos evolutivos da história do homem devem-se a actos ou invenções egoístas de certos indivíduos.»

quarta-feira, maio 24, 2006

Just a scratch

O tribunal dele é um exemplo perfeito de como a minha geração (e digo isto sem especial orgulho) tem vindo a aproveitar as heranças de grandes vitórias democráticas (ou quase-democráticas) desde a Revolução Francesa (ou talvez até antes). A minha geração não é rasca nem fantástica. A minha geração não sabe o que é. Há gente (parva) na minha geração que diz saber o que ela é. É gente que nunca o saberá, nem precisa.

Fernando Pessoa diz, às "Mal Casadas", no seu Livro do Desassossego, como ser cocotte para dentro. Eu quero ser iconoclasta para dentro. Está-se mesmo a ver que o Rui das coisas não me vai ensinar isso.

bzzz bzz bzz? 'tá bem abelha...

Que diria Herbert Spencer se ainda fosse vivo e presenciasse este momento, eu diria erótico, e porque não?

foto: Monsanto, 2006

Gente Parva

A gente parva
cospe e vomita
manuais de digestão rápida
de livros complexos e compridos
como os de Tolstói, Joyce ou Proust.

A gente parva
vive muito devagar,
pois tem muita televisão para ver
e muitas opiniões para dar.

A gente parva
é uma gripe como a das aves,
mas, ao contrário desta,
também pode contagiar humanos.

A gente parva
sabe bem que a gente que não é parva
não vai a lado nenhum.

Assim como assim,
diz o velho que os patos estão em perigo,
porque daqui a umas semanas
as rolas estão a chegar de África.

Sufoco

Está a faltar-me inspiração.

terça-feira, maio 23, 2006

Semiótica (3)

Afinal acabei por ver 40 segundos do tal debate. Aqueles em que José Pacheco Pereira estava a explicar ao país e a Manuel Maria Carrilho o que significa o facto de ele ter permitido que pusessem uma fotografia sua na capa do livro que escreveu, esclarecendo o preço de tentar passar de intelectual a popular.

Gostei.

segunda-feira, maio 22, 2006

Há dias de merda

no fim dos quais o melhor a fazer é apagar a luz e enfiar o nariz na almofada.



Aproveito para dizer que considero uma cama feita de lavado uma instituição como qualquer outra. E que não vou ver o debate da moda porque gosto de definir prioridades.

domingo, maio 21, 2006

Os Malefícios do Sexo

Esta é uma imagem com várias leituras, cada qual mais interessante que a anterior.
















Estamos perante Rocco Siffredi, ex-grande-vedeta do cinema Porno que olha enfadado para uma mulher que presumimos estar nua numa cama.

Sabendo que Siffredi abandonou o trabalho duro para se dedicar à arte, participando nos filmes da francesa Catherine Breillat, vendo a sua atitude quanto à mulher e a garrafa que tem a seu lado, apenas nos ocorre confirmar que, de facto, sexo em excesso tira o prazer de uma boa bebida.

'Cause I don't have a wooden heart

sábado, maio 20, 2006

Cuidado com os idos de Março

Isto é brilhante. Até domingo.

Pop Lit

Tenho feito questão de, nestes últimos anos, ler todos aqueles livros dos quais muitos gostam e que uma pequena minoria critica acerrimamente e depois olha de lado com despeito. A verdade é só uma: esses livros são escritos para serem lidos por muitos e para que muitos deles gostem.

Margaridas Rebelos Pintos, Dan Browns, Harry Potters (dos quais eu até nem desgosto, apesar de achar a fórmula algo gasta), Susanna Tamaros, Nicholas Sparks e tantos outros. E não os houve noutras épocas? Walter Scott não escrevia livros que eram amados pelas multidões e odiados pelo mundo da erudição crítica (já agora para os que não sabem, Scott tem um romance chamado «Anne of Geierstein: or The Maiden of the Mist» de 1829 que mete ordens secretas, cátaros e a igreja, Opus Dei e etc)? Dickens não foi considerado, no seu tempo, um fazedor de dinheiro, como Balzac, como Dumas? Curiosamente, hoje fazem parte do cânone.

A resposta é tão simples quanto evidente: há literatura "popular" que é boa, da mesma forma que há literatura "elitista" que é má. Há uma selecção natural da literatura que sobrevive. E depois há factores especiais que fazem com que essa literatura entre ou saia do cânone a diversos momentos, por exemplo: o nosso caro «Tom Sawyer» é neste momento considerado um livro politicamente incorrecto cujas vendas cairam abruptamente nos EUA desde esse decreto. Será que vai sobreviver?

Mas um «Sherlock Holmes» faz parte do cânone literário, da mesma forma que os «Três Mosqueteiros», da mesma forma que «Oliver Twist» ou «David Copperfield», tal como «Sandokan» ou os livros de Jules Verne.

Quais as conclusões?

Que a crítica é perene e está geralmente errada fora do contexto da época (quantos não são os milhares de livros que já li de finais do século XIX a começos do século XX, que vaticinam opúsculos sombrios como obras imortais?).

Que o mundo crítico e académico não é nem nunca foi capaz de descer do seu pedestal de grandiloquência e admitir a razão das massas. Que é sempre elitista, tapado e preconceituoso (ainda hoje no mundo académico português, Saramago recebe as famosas miradas de soslaio e é mencionado com um certo trejeito de boca).

Que numa altura em que se fala de crise de leitura (até parece que é original e que não se queixavam do mesmo os editores de há cem anos, vejam as cartas de Eça e de Camilo aos seus editores e vice versa), talvez fosse conveniente que a literatura erudita, que tanto se ofende da concorrência, aprendesse alguns dos mecanismos da boa literatura "pop" para ganhar autores em vez de se tornar hermética e fechada e mesquinha no seu intuito de agradar a uma crítica e a uma academia que não assegura quaisquer benefícios materiais e muito menos qualquer certeza de um lugar no pódio da grande literatura do futuro.

sexta-feira, maio 19, 2006

Código Decifrado

A propósito do último post do blogue coisas (e ainda de Dan Brown), devo dizer que não acho nada uma tristeza discutir Kundera com o padeiro. Tornei-me fã do acesso de genialidade que Boaventura de Sousa Santos teve quando defendeu que «todo o conhecimento científico visa constituir-se senso comum». Pois não era genial que todo e qualquer padeiro tivesse o seu quinhão de conhecimentos sobre química fisiológica ou mecânica quântica? Que toda a empregada doméstica pudesse, em part-time, dar explicações de fenomenologia hegeliana? Que qualquer taxista fosse capaz de discutir, com propriedade, Proust ou Henri Bergson?

Se Dan Brown é mau, e eu não sei porque ainda não li, o problema de tudo isto não é haver gente que leia Dan Brown. É haver gente que não respeita o gosto ou a indisponibilidade de quem não leu Dan Brown. É haver quem leia Dan Brown porque outros leram. No fundo, o problema do Código Da Vinci não é um problema de literatura. É um problema de identidade.

Mas não se preocupem: a cultura de massas, da imitação e da produção industrial em série (também de pessoas), veio para ficar.

Triunfos da Minha Pseudo-Sociologia Moderna (Colorida)

Parece-me haver uma nova forma de maniqueísmo sociológico que usa, como indicador do grau de integração social, o facto de determinado membro de uma comunidade ter lido ou não O Código Da Vinci. Dou por mim a entrar em conversas deste género:

-Bem, o livro 'tá um 'spectáculo!
-Qual livro?
-O Código Da Vinci.
-Não li.
-Não acredito! Ninguém não leu O Código da Vinci!
-Tenho prioridades.
-Como por exemplo?
-Dostoievsky, Tolstoi, Wilde, Raúl Brandão, Eurico Cebolo...
-Não sabes o que perdes.

Da Dificuldade de Suportar Grandes Doses de seres Humanos Num Só Espaço

«...Bebi durante anos, depois parei e descobri a triste verdade sobre as festas. Um homem sóbrio numa festa é tão só como um jornalista, tão implacável como um médico legista, amargo como um anjo que, no céu, olha para baixo. Há algo de absolutamente patético em comparecer a um grande ajuntamento de homens e mulheres sem o benefício de um filtro ou pó mágico que nos possa cegar e enfraquecer as nossas faculdades críticas. Já agora que fique claro que não pretendo fazer grande caso da sobriedade. De todos os "modos" de consciência do ser humano disponíveis para o consumidor moderno considero-a provavelmente o mais sobrevalorizado.»

Michael Chabon, in Wonder Boys, 4th Estate, London, 2000

quinta-feira, maio 18, 2006

Semiótica (2)

A genética comum aos homens e aos animais rege os comportamentos.

Optimismo II

E uma leitora diz que fui cruel no meu Optimismo.

Sempre me disseram que alguns adjectivos não se casam com certos substantivos. Agradável e Verdade são exemplos disso.

E a Propósito de Brasil...

escova.

eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. no começo achei que aqueles homens não batiam bem. porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso.depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. e que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. e que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. logo pensei de escovar palavras. porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. começei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado a escovar palavras. logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras. eles acharam que eu não batia bem. então eu joguei a escova fora.

manoel de barros em seu último livro, "memórias inventadas".


Informações sobre a musa

Musa pegou no meu braço. Apertou.
Fiquei excitadinho pra mulher.
Levei ela pra um lugar ermo (que eu tinha que fazer uma lírica):
- Musa, sopre de leve em meus ouvidos a doce poesia, a de perdão para os homens, porém... quero seleção... ouviu?
- Pois sim, gafanhoto, mas arreda a mão daí que a hora é imprópria, sá?
Minha musa sabe asneirinhas
Que não deviam de andar
Nem na boca de um cachorro!
Um dia briguei com Ela
Fui pra debaixo da Lua
E pedi uma inspiração:
- Essa Lua que nas poesias de antes fazia papel principal, não quero nem pra meu cavalo; e até logo, vou gozar da vida; vocês poetas são intersexuais...
E por de jaba ajuntou:
- Tenho uma coleguinha que lida com sonetos de dor de corno; porque não vai nela?

Manoel de barros em seu primeiro livro POEMAS CONCEBIDOS SEM PECADO

(já tinha postado isto noutro blogue mas o Manoel de Barros vale sempre a pena)

quarta-feira, maio 17, 2006

Optimismo

Inspirada por este post do colega blogger Branco Leone, sobre os acontecimentos dos últimos dias na cidade de São Paulo, fui levada a concluir que, verdade seja dita, em Portugal nem os bandidos têm iniciativa.

Things that make your day complete


Para mais informações, clique aqui.

terça-feira, maio 16, 2006

Semiótica (1)

Ego affectus sum.

Por isso é que o contágio é um problema afectivo.

Things that make your day complete

Discordo

«-Posso perguntar-lhe se esse amor a faz feliz, miserável, ou ambas as coisas?
-Ah, o amor não existe para nos fazer felizes. Acho que ele existe para nos mostrar quão fortes podemos ser no sofrimento e na paciência.»

Hermann Hesse, Peter Camenzind


segunda-feira, maio 15, 2006

Primeiro Postulado da Crueldade Feminina

Há geralmente, um pouco por toda a parte, mais bons homens que homens bons. Alternativamente, mesmo e sobretudo nas sociedades mais civilizadas, é mais fácil encontrar uma mulher boa que uma boa mulher.

No primeiro caso, a culpa morre solteira; no segundo, a culpa é da sociedade de consumo.

Parecer de uma mulher esteticamente menos aprazível

A propósito do último post do blogue coisas e de grande parte dos posts do estado civil, afirmo aqui uma hipótese de indignação. Se eu fosse feminista, podia mesmo chegar a queimar um soutien.

Se eu fosse homem nada me daria mais prazer que investir numa permanente greve de representações. Se eu fosse homem, teria respeito pela coisa em si. Que valor tem o homem que sua e se afronta por umas inalcançáveis pernas de tenista russa? E que mulher, no verdadeiro sentido do termo, sobrevive apenas de volúpia, de conjugar trapinhos para fazer suspirar os masculinos transeuntes?

Mas eu não sou homem e, por isso, admito existirem pelo menos dois tipos de homens celibatários heterossexuais (se não se chegar a provar que somos todos bissexuais): os incompletos, que procuram a Gata Borralheira, e os lascivos, que canalizam a libido para os prazeres do espírito. Os primeiros tentam, mas não conseguem fazer mais que lamentar-se. Os segundos vão para o Inferno.

Pois é. Sempre me fez mais confusão um homem de babete que um que consiga fazer tudo em pensamento.

Crónica do Ecoponto

Uma notícia do DN de hoje, de Sandra Leitão, diz-nos que «Ainda a Vaca Piu-Piu não estava exposta havia 24 horas, e já tinha sido completamente vandalizada.». O texto continua com testemunhos de pessoas que se deslocaram neste dia à Baixa Lisboeta para visitar a Cow Parade, entre as quais se destaca o de um senhor - cuja graça é, ironicamente, Arsénio - que afirma que a única solução é encarcerar «as obras (...) dentro de uma cúpula acrílica e com rede electrificada à volta». Entre os curiosos, parece haver mesmo uma senhora indignadíssima que chega a não conseguir conter as lágrimas...

Parece-me igóbil o que fizeram às vaquinhas, mas a comiseração por obras de arte vandalizadas ou em risco de o serem também deve estar a tornar-se numa moda. Ainda outro dia, na exposição sobre a vida e obra de Frida Khalo (no CCB) uma senhora do staff (desculpem o estrangeirismo) pedia a um visitante para não ultrapassar a linha que indica a distância recomendada para ver as obras. Logo de seguida, um bom intelectual, como seria de esperar, decide fazer o seu próprio comentário: «Até porque os quadros devem ser vistos de longe!». Os míopes que se cuidem, porque os centros de exposições não cuidam de iluminar de forma adequada as obras que expõem, e teimam em fazer reinar a arbitrariedade quando se trata de decidir quais os quadros que devem ou não ter um vidro de protecção (contra o mortífero bafo humano).

Também me estranha que, além das vacas artísticas, não haja mais gente a chorar pelos autocarros e pelos comboios (quero dizer, pelos objectos em si, e não enquanto viajam neles, porque chorar em público é uma coisa muito feia), pelas pastilhas elásticas que os filhos deixam debaixo das mesas das salas de aula das suas escolas, ou pelo tiquete da charcutaria que, geralmente, voa sempre das mãos das pessoas para o chão dos estabelecimentos comerciais; ou, talvez ainda, pela reciclagem que não fazem. O que é mais chato é o facto de, por um lado, nunca sermos entrevistados por coisas tão banais e, por outro lado, não ser tão chique indignarmo-nos por filigranas destas.

Nos Tempos de Antes-do-Ar-Condicionado

Só para esclarecer quem possa não perceber: nas drogarias da época vendiam-se panos e tecidos.

domingo, maio 14, 2006

Ansiedade

E já que se fala em filmes por aqui... estou ansiosa para ir ver este :p.

Friendship


foto: metropolitano de lisboa, algures entre S. Sebastião/ Baixa - Chiado; Baixa- Chiado/ Alameda. 2006.

Desespero

- Foda-se.
- Não te preocupes, 'mor. O plano 'tá quase a mudar.

No cinema, a propósito de Innocence.

O País Real II

Ontem nas quatro principais autoestradas de acesso ao grande porto, entre as 2 da matina e as 6, todo o trânsito foi desviado para estações de serviço onde um batalhão de agentes da autoridade procedeu à medição da quantidade de sangue no álcool (intentional pan). Foram só 74 ordenações graves, 171 autos por violações diversas e umas quantas prisões (algumas precedidas de tentativa de fuga) devido à posse de estupefacientes (haxixe em quase todos os casos).

É vergonhoso verificar que já nem as autoestradas são locais seguros. Primeiro foram as perseguições ao pessoal das corridas, depois aos destravados da condução em sentido contrário. Agora é o excesso de álcool e os estupefacientes. Já anunciam as câmaras inteligentes que controlam manobras perigosas e excessos de velocidade.

Os pequenos prazeres dos portugueses estão cada vez mais limitados.

Pequena Narrativa ao Jeito dos Grandes Clássicos da Blogosfera

Ele disse-lhe que nunca sentia saudades de ninguém.
Ela acabou por não partir.

Carvão



«Minha força não é bruta
Não sou freira nem sou puta.
Porque nem toda a feiticeira é corcunda,
Nem toda a brasileira é bunda.
Meu peito não é de silicone,
Sou mais macho que muito "home".»

Pagu, Rita Lee/Zélia Duncan

quinta-feira, maio 11, 2006

Diálogo Intercultural



Clique para ver melhor.

Fármaco Filigrana

o teu sorriso é o antídoto
para as minhas tristezas
e más disposições
o teu sorriso é o antídoto
para os meus fracassos
e depressões
o teu sorriso é o antídoto
para os meus medos
e desilusões.
bem vês que
o teu sorriso
pode salvar
uma alma perdida.

segunda-feira, maio 08, 2006

Believe me


Your kisses are worth waiting for...


Purgatory


purgatory, originally uploaded by Charlotte Dubois.

Meus amigos, não querendo intitular-me vidente ou visionária e afins... esta é a visão que me ocorre daquilo que é o Purgatório.

Uma excelente semana para todos!

Era o Cocas quem cantava o Rainbow Connection, não era?

Só para não dizerem que eu só falo de coisas sérias como manipulação, ilusões e coisa que o valha...

Mais uma machadada no livre arbítrio

As escolas vão passar a proibir nas suas cantinas e bares a venda de gomas, bolos com creme, refrigerantes e outras coisas que fazem mal e engordam. Tem a sua piada. É certamente mais outra admissão clara do fracasso da educação. E falo da educação na escola, pois em casa já se sabe que há sempre gomas, bolos com creme, refrigerantes e outros que tais.

Será que os professores não conseguiram passar a mensagem? Nas aulas de (os nomes das cadeiras são os do meu tempo, que agora o mundo já deu mais voltas) Biologia, Ciências Naturais (ou da Natureza), Saúde, etc, ninguém consegue explicar aos putos que estas coisas devem ser comidas comedidamente?

Pois é: a solução, mais uma, vez é proibir. Como há muitos anos fizeram com os «Maias» (nunca teve o romance queirosiano tanto leitor como na altura em que era uma obra pecaminosa e suja que descrevia o incesto).

Os problemas graves que daqui se depreendem são dois. A saber: a) os professores não conseguem transmitir mensagens aos alunos; b) a solução para um problema é, como já disse, a proibição.

Mas esta gente não tem tino? Não sabem, porventura, que o fruto proibido é SEMPRE o mais apetecido? Eu bem me lembro quando estava na primária e proibiram as bombinhas de Carnaval e a sua venda nas proximidades das escolas. E de facto deixaram de ser vendidas nas proximidades das escolas. Mas também é verdade que nunca vi tantas bombinhas como as que apareram após a proibição.

Se a história da proibição é, em si, grave, é também prova de que, mais uma vez, os intelectos que tomam as decisões em Portugal são, entre outras coisas, cegos, surdos e mudos - para além de não viverem em Portugal mas na terra do nunca-nunca. O mais grave é mesmo o facto de os professores não passarem a sua mensagem, qualquer que ela seja. Num país onde a taxa de literacia (como detesto este termo) é o que é, alguém tem de ter culpa.

Reduzamos então a questão a hipóteses:

1 - As crianças e jovens, são realmente estúpidos, tapados e burros.

2 - Os professores são realmente mudos, tapados e estúpidos.

Bem todos sabemos que a generalização não serve em questões destas. Há alunos brilhantes e professores extraordinários. Mas são uma minoria.

E agora passo a falar um bocadito da minha experiência: a maior parte dos professores que tive no meu percurso escolar era totalmente, ou pelo menos em boa parte, incapaz de transmitir qualquer tipo de mensagem. Não sabiam motivar os alunos, eram pessoas inseguras, incultas, sem poder de palavra, sem interesses próprios, humanamente vazios e que pareciam viver isolados do mundo. Convém aqui referir que o "isolamento do mundo" é uma característica que atribuí a estes professores pela total incapacidade de relacionamento que mostravam.

Quando um professor não sabe falar a linguagem dos seus alunos, falha. Não pode fazer mais nada. O professor deve, acima de tudo, conhecer o mundo dos alunos, a sua linguagem, os seus referentes, porque é através deles que deve motivar os alunos para aquilo que pretende transmitir.

E já que estamos em maré de críticas, aproveito para clarificar que só se transmite e ensina pela motivação. Tudo o resto são métodos falsos. E também se ensina pela proibição: os americanos fizeram isso quando, aqui há uns anos, proibiram nas escolas as gomas, os bolos com creme e os refrigerantes, entre outros. As crianças continuaram a engordar e a ter mais problemas. Porque a procura desses "petiscos" continuou, e finalmente chegou-se ao ponto de ver que havia miúdos que não vinham à escola ou faltavam às aulas para ir comer (coisas que fazem mal).

No meio disto tudo e desculpem-me por, mais uma vez, ter extrapolado um pouco e aproveitado para despejar algumas críticas que bem me apetecia despejar, no meio disto tudo, dizia, o grave é a admissão de que as crianças não são capazes de fazer escolhas. A ideia de que o conhecimento se transmite pelo condicionamento, a admissão do fracasso da mensagem, a machadada no livre arbítrio.

Daqui a uns dias quero voltar a este assunto porque isto foi meramente um desabafo. Mas agradecem-se mais achas para a fogueira.

Levianos tempos

É muito interessante o paradigma de "mulher leviana", modernizada, inconsequente (mas muito consequente), etérea (mas muito carnal) que os escritores descrevem nas primeiras décadas do século XX. Veja-se a «Leviana» de António Ferro ou a «Naomi» de Junichir'o Tanizaki, a «Mimi Bluette» de Guido da Verona e tantas outras.

Lembrei-me disto por vários motivos: passou-me o livro do António Ferro pelas mãos durante a minha recente mudança de livros para a sua nova casa, estou a ler o livro do Tanizaki e vi recentemente o filme (mais um pessimamente traduzido) «Três vidas, um destino» em que há personagens idênticas. Pelos vistos é uma espécie de estereótipo generalizado de mulher avant-garde.

Mas claro que estas coisas precisam de um pouco de reflexão. Todas estas mulheres são "escritas" por homens, são sentidas por homens. A posição do homem/namorado/pretendente/noivo/marido em todas essas obras, a sua maneira de ver é que potencia o extremo que a personagem feminina atinge. O olhar do homem face a estas mulheres é ultra romântico. Estão sempre perdidamente apaixonados, cegos...

E a leviandade, a inconsequência, o não-estar-à-altura daquilo que o homem vê nelas é o próprio mote da ficção. Estas mulheres são Wildianas, seguem as máximas da modernidade de perto, passaram para lá do romantismo, já não são a mulher ideal, a mulher romântica que se senta a um canto e cuja luz inspira e domina os homens. Esta mulher pensa. É racional e pouco emotiva, segue os sentidos, é sexual e não assexuada como era o protótipo romântico.

Camilo Castelo Branco, na sua «Carlota Ângela» apresentava já o anúncio desta mulher nova (Carlota por um lado, Ângela, angelical pelo outro) a menina de boas famílias burguesas em ascenção que inspira amores, que é um ideal romântico... mas só até certo ponto. Esta Carlota tem pelos nos braços, uma sombra de bigode (será possível?)...

Mas é com efeito nas primeiras décadas do sécilo XX que esta personagem mulher aparece na literatura. E aparece na escrita de muitos escritores modernos. Esta mulher que pensa, que decide, que controla, que manipula e que escreve a sua própria ficção estendendo armadilhas ao escritor que pensa poder descrever o seu ideal romântico.

É uma mulher de um período muito curto - veio depois o Estado Novo com as suas costureirinhas e meninas da rádio. Será que esta mulher existiu? Parece que sim, havia Florbelas, Virginias Woolf e outras. Mas não são bem a mulher que estes homens descrevem, perplexos.

A leviana é o assombro pela própria modernidade que defendem estes escritores novos. É a sua surpresa pelo rumo que toma algo que foi criação sua mas que lhes escapa para conseguir uma identidade própria. E que escapa aos padrões e valores convencionais, que esses próprios «modernos» tinham abolido.

Essa mulher nova está de novo entre nós, quer parecer-me. Só não sei ainda se pensa.

Também não sei se se deva criticar, se elogiar. Reparem bem que estou a falar de uma mulher sem preconceitos, sem valores, que busca unicamente a satisfação imediata dos sentidos. O grande perigo é que a mulher dos modernos, a leviana, podia ser isto tudo mas tinha consciência daquilo que não era, daquilo contra o que era. Erguia-se contra os valores românticos, contra as ideias antiquadas. Esta mulher nova dos nossos dias é sem saber que é, está sem ser contra ou pro. É bom ou será mau?

Daqui a uns anos volto a pensar sobre isto.

domingo, maio 07, 2006

Síntese

«O Polícia tem muito de português. Oscila entre aquela caridade queijo da Serra e a violência pós-colonial.»
David Antunes, dramaturgo do Teatro da Garagem no programa d'A Dois intitulado Nós, sobre uma personagem da sua peça Ácido.

sexta-feira, maio 05, 2006

O país fantástico



É clicar para ver em grande... e vale a pena ser bem visto, lido, interiorizado... Mais um documento da terra do nunca-nunca.

quinta-feira, maio 04, 2006

Coincidência, distracção ou falta de neurónios?

"Passa agora que está vermelho!" - ouvi por duas vezes esta frase num destes dias, em ruas da capital, em dois momentos distintos do dia: ao início da manhã e ao fim da tarde. Será que as cores dos semáforos mudaram de significado e ninguém me disse nada?... Sou sempre o último a saber das coisas!!!...

O país dos sonhos

A Caixa Geral de Depósitos, numa iniciativa que vem na sequência de várias iniciativas de caridade e benificência decidiu oferecer casa e um emprego a uma sem-abrigo que vivia permanentemente à porta da sua agência do Largo Camões.

Um pequeno T1 novo e com perfeitas condições foi oferecido a uma mulher que há alguns anos passava o dia sentada à entrada de uma delegação da Caixa. Fontes na CGD revelaram ainda que foi oferecido um lugar e remuneração idêntica aos restantes funcionários do serviço de limpeza, um curso numa escola para adultos e ainda os passes necessários para a deslocação desta pessoa entre a sua residência e a Agência da CGD.

Não nos é permitido citar o nome da mulher em causa mas, entrevistada pel******* ela revelou-nos a sua enorme satisfação por poder finalmente começar a viver em pé de igualdade com outras pessoas. Além do mais garantiu que iria colocar todas as suas poupanças na CGD.

O país real

Saí da camioneta, dirigi-me à passadeira onde um outro transeunte tinha já carregado no botão. Ficou verde passados uns segundos. De um lado da passadeira, um forgão Berlingo (ou coisa semelhante), do outro um carro patrulha. Passámos, cinco pessoas creio. Estamos a meio da passadeira quando o Berlingo arranca brutalmente. Um fulano atrás de mim dá uma corridinha, assustado. Estava verde para os peões havia menos de 20 segundos...

O carro patrulha nada.

Chego ao outro passeio e passo junto à janela do carro da polícia. Comento em voz alta: "É assim que se aplica a lei em Portugal". Um daqueles comentários sem esperança de resposta.

Mas houve resposta... "Quer dizer alguma coisa?", perguntam-me em tom ameaçador. "Já que menciona isso gostava de ter a sua identificação para poder fazer queixa contra...". Interrompem-me: "Está verde temos de ir..." E com outro arranque brutal o carro patrulha afasta-se a mais de 50 kms/h em zona urbana.

Tenho pena de não ver bem para fixar a matrícula. Tenho pena de não ver bem para confirmar se o polícia do lado da janela não tinha um sorriso de gozo ao afastar-se...

quarta-feira, maio 03, 2006

O inesperado


na minha direcção, originally uploaded by Charlotte Dubois.

E se de repente visses um destes a correr direito a ti como uma flecha... que farias?

Ékstasis

Twenty Pieces From The Notebook of Anna Magdalena Bach, João Carlos Martins.

Aquilo que querem ambos

Ambos sabemos aquilo que tu queres
Mas apenas um de nós sabe aquilo que eu quero.

The Final Solution

Há poucos minutos, no programa da manhã da TVI Você na TV!, a apresentadora Cristina Ferreira (que faz par com Manuel Luís Goucha) disse a uma mãe com um filho com paralisia cerebral sem acesso a uma cadeira de rodas: «Não se preocupe porque nós temos a cadeira eléctrica para o seu filho!».

Enfim.

terça-feira, maio 02, 2006

Tic Tac Tic Tac Tic Tac

Os relógios são dos objectos mais horrorosos jamais inventados.

segunda-feira, maio 01, 2006

Hip, hip, hooray!

When correctly viewed,
Everything is lewd.
(I could tell you things about Peter Pan,
And the Wizard of Oz, there's a dirty old man!)

Tom Lehrer, excerto de Smut (That Was the Year That Was)

A famosa quadratura do círculo

Já repararam como é curioso que os movimentos anti-globalização sejam, nos mais diversos aspectos, do aspecto e vestuário ao discurso ou forma de se manifestar, iguaizinhos em todo o mundo?

Something's Got To Give

Já não há cores como estas.